Eu sou feita de cicatrizes que não se veem

 

Cresci sem ter minha mãe por perto desde os meus 11 anos.
E por mais que eu tentasse ser forte, uma parte de mim sempre procurou abrigo.
De lá pra cá, morei de casa em casa, carregando uma mala cheia de incertezas e tentando construir um lugar que eu pudesse chamar de lar.
Mas o lar que eu buscava não era só físico.
Era um lugar dentro de mim mesma, onde eu não precisasse me esconder, me calar ou me explicar o tempo todo.

Eu fui abusada.
Fui silenciada.
Fui desacreditada.
E ainda assim… segui.
Com medo, com raiva, com vergonha — mas segui.

Hoje, sou mãe solo.
E talvez por isso eu carregue tantas culpas, tantos pesos, tanta rigidez comigo.
Porque quando se é sozinha no mundo, qualquer vacilo parece imperdoável.
E o medo de repetir a história da ausência, da dor, do abandono… esse medo molda todos os meus gestos.

Não sou perfeita.
Nem tenho mais a ilusão de tentar ser.

Mas cansei de ser chamada de "vítima", como se sentir dor fosse uma escolha.
Cansei de ouvir que eu reclamo demais, que sou instável, que tudo é drama.
Não é drama.
É trauma.
É sobrevivência.

Eu dou conta de tudo, sozinha.
Cuido da casa, da rotina, das dores dos outros.
Sou colo, sou comida pronta, sou “tudo resolvido”.
Mas às vezes…
eu só queria ser filha de alguém.
Ser olhada com amor e não com cobrança.
Ser escutada sem julgamento.
Ser cuidada, só por um segundo.

O que as pessoas esquecem é que antes de ser mãe, antes de ser forte, antes de ser adulta…
eu sou uma menina que sobreviveu ao que era insuportável.

Hoje tenho meu próprio canto.
O teto que lutei anos pra conquistar.
O chão que só eu sei o quanto me custou firmar.
Mas o que mais desejo ainda não é só a estabilidade — é paz.
Paz de poder existir sem ter que me justificar o tempo todo.
Paz de poder ser vulnerável sem ser diminuída.
Paz de ser reconhecida não pelo que carrego, mas pelo que suportei calada.

Se você está lendo isso e se reconhece:
eu te abraço.
Você não está errada por sentir demais.
Você não está fraca por ter cicatrizes.
Você é feita de guerra — mas merece descanso.
E que nunca mais chamem sua dor de exagero.

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